A história de Jacques-Maniuel
Jacques-Maniuel era um menino de 9
anos que vivia nos subúrbios de Paris em finais do Século XIX. Não andava na
escola… Enquanto a mãe, Jacqueline, trabalhava, ele passava o dia pelas ruelas
da cidade, brincando com outras crianças nas mesmas condições.
Jacques-Maniuel era filho de Manuél “O Espanhol” e de Jacqueline Bricosé.
Manuél “O Espanhol” aparecera no
bairro num certo dia de verão e logo as pessoas o apontavam como um estranho,
uma vez que ninguém o conhecia por ali. Rapidamente se criou um burburinho:
quem seria? De onde viria? O que faria ali?
Porque as pessoas gostam do mistério e
de criar “histórias” à volta das personagens desconhecidas, cada um dava a sua
opinião sem se preocupar muito com a verdade dos factos. O certo é que Manuél “O Espanhol” era Português e não
Espanhol.
Manuél “O Espanhol” logo se destacou pela sua bela e garbosa figura
(português, né?): alto, moreno, bem constituído, autêntico “macho latino”, caiu
imediatamente nas graças do mulherio do bairro parisiense de Bagnolet. Mas
Manuél “O Espanhol” só “viu”
Jacqueline. Perdeu-se de amores por ela e juntos viveram uma bela história de
amor, culminada com o nascimento do pimpolho, pequeno herói da nossa história, Jacques-Maniuel.
A família
Manuél “O Espanhol” contou a Jacqueline que vinha de Portugal, um país que
ficava depois de Espanha. Na época foi muito difícil fazer entender às pessoas
que havia mais países, para lá do país vizinho. Assim, quando Jacqueline
explicava às amigas que o seu Manuél vinha de Portugal, um país a seguir a
Espanha, elas diziam logo “Ah! Espanha, sim…” (Espanha já era conhecida porque
era o país vizinho) e assim passaram a chamar-lhe Manuél “O Espanhol”.
Além disso, se ele fosse mesmo
Espanhol, seria certamente Mañoêl e nunca Manuél… enfim, temos que dar o
desconto devido à época.
Não sabemos o que aconteceu a Manuél “O Espanhol”. Um dia, cerca de dois anos
depois do nascimento do pimpolho, resolveu que tinha que procurar trabalho
noutro lugar porque ali a crise instalara-se e não havia outra saída.
E assim, com o saco às costas, o
Português Manuél “O Espanhol” pôs-se
a caminho, à procura de um futuro melhor, e nunca mais apareceu!
Terá sido atropelado por uma carroça e
agonizou na berma da estrada? Terá escorregado, batido com a cabeça e perdido a
memória? Terá encontrado uma noiva rica e vive agora uma vida de luxo? Seria um
extraterrestre e terá voltado à sua nave? Não sabemos…
Capítulo 2
Naquele dia Jacqueline voltou do
trabalho cansada mas já conformada com o desaparecimento do seu Manuél (embora
nunca o tenha substituído), subiu as estreitas escadas que conduziam ao 1º
piso, entrou em casa, abriu a janela para arejar e fazer entrar os últimos
raios de sol e foi preparar o jantar.
Descascou a última cenoura que tinha,
colocou-a numa pequena panela com água, quatro pedacinhos de “saucisson” (uma espécie de chouriço),
uma pitada de sal e duas folhas de couve que lhe dera Mlle. Marie, a porteira
do prédio onde trabalhava como lavadeira. Esperou que levantasse fervura, acrescentou
uma boa mão-cheia de arroz, dirigiu-se à janela e chamou: “Jacques-Maniuéééél !!!
Jacques-Maniuéééél !! Vem jantar!” E
voltou para dentro.
Entretanto, Jacques-Maniuel brincava
na rua, entretido a dar pontapés nas pedras, mãos nos bolsos, barrete enfiado
na cabeça até às orelhas, um casaquito que já não tapava os punhos e mal
chegava à cintura.
Ao chutar uma pedra, descobriu uma
moeda de 1 centavo. Esbugalhou os olhos, baixou-se, apanhou a moeda, olhou em
volta e desatou a correr para casa “Mãe! Mãe! Olha o que eu achei!” disse,
assim que chegou. “Um centavo!! Será que dá para comprar uma cebola??” A mãe
sorriu, feliz, e disse “Sim, talvez! Agora vem comer”.
Enquanto saboreava a sopa, Jacques-Maniuel
pensava que melhor que ficaria a sopa se tivesse uma cebola! E começou logo a
imaginar-se, no dia seguinte, a dar pontapés em todas as pedras do caminho até
encontrar um monte de moedas! E com essas moedas compraria muitas cebolas e
cenouras no mercado, compraria belas peças de carne na loja de Monsieur Gaspar,
peixe fresco a Mme. Laurent, uma torta na pastelaria de M. Larousse e também uma
panela e uma boa frigideira. Sim, definitivamente, a mãe estava a precisar de
uma frigideira nova.
Foi-se deitar com o firme propósito de
ficar rico com tantas moedas que iria encontrar debaixo das pedras.
Os dias foram passando, milhares de
pedras pontapeadas, mas moedas, nem mais uma! Começou a ficar desanimado. Foi
assim que nasceu a célebre frase “ninguém fica rico a procurar ouro debaixo das
pedras”….
Mas Jacques-Maniuel era um rapaz
persistente. Não ia desistir! Afinal, há tantos anos que dava pontapés nas
pedras e só agora lhe tinha aparecido uma moeda! Certamente era difícil, mas
não impossível. Tinha que continuar.
E assim, de pedra em pedra, Jacques-Maniuel
passava os dias à procura da sua fortuna.
Passou em frente à pastelaria de M.
Larousse e ficou mais uma vez a olhar para a montra cheia de pães e bolos de
aspecto delicioso. M. Larousse era boa pessoa. Baixinho, gorducho, bigode
farfalhudo, uma grande careca e uma coroa de espessos cabelos grisalhos onde
acabava a careca. Usava uma espécie de pequeno chapéu de pasteleiro enterrado
até às orelhas, de tal modo que os tufos de cabelo pareciam ser a aba do
chapéu. Como frequentemente fazia, M. Larousse chamou Jacques-Maniuel e deu-lhe
um bolo que tinha sobrado dos dias anteriores e que certamente nunca iria
conseguir vender. Agradecendo alegremente, Jacques-Maniuel continuou a sua
caminhada à procura da fortuna, guardando o bolo no bolso das calças, para mais
tarde o partilhar com a mãe.
Ao passar em frente da taberna de M.
Gilbert viu que estavam a entregar uns cestos com batatas; uma batata caiu do cesto
e rolou pela estrada. Jacques-Maniuel correu para a apanhar enquanto pensava se
ficaria com ela ou se a entregasse. Raciocinando rapidamente, resolveu entregá-la:
“M. Gilbert! M. Gilbert!” gritou do outro lado da rua “Esta batata caiu do cesto!”
M. Gilbert olhou para trás e viu o rapaz de braço estendido com a batata na
mão. E pensou: “Bah! Uma batata!” e fazendo um gesto displicente, disse: “Fica
com ela!” e entrou na taberna atrás do carregador e da cesta de batatas.
À porta da taberna
Jacques-Maniuel não podia acreditar!
Que sorte!! A mãe ia ficar contente, de certeza!
Voltou para casa correndo, cantarolando,
feliz com os seus troféus: um bolo e uma batata! Dia de sorte, mesmo!
Ao ver os “troféus” a mãe sorriu
contente pela alegria do filho, pela batata e pelo bolo mas sobretudo pela
generosidade do filho, que tudo partilhava com ela (esta é a parte lamecha da história).
Cada vez mais determinado em
enriquecer, Jacques-Maniuel continuava à procura de moedas debaixo das pedras,
sem contudo ter sorte alguma. E ia pensando enquanto dava mais um pontapé… “Já
sei, vou pôr-me à porta da taberna de M. Gilbert, pode ser que caia mais alguma
batata.” Sempre ganhava qualquer coisa… E assim fez. Sem perder noção das
pedras da rua, ia deitando um olho a tudo o que carregavam para dentro da
taberna. Ao terceiro dia, caiu uma cebola. “Vitória!!!”, pensou. E repetiu a
cena: “M. Gilbert! M. Gilbert!” gritou do outro lado da rua “Esta cebola caiu
do cesto!” M. Gilbert olhou para trás e viu outra vez o mesmo rapaz de braço
estendido com a cebola na mão. Mais uma vez, não se incomodou em apanhar a
cebola, acenou um “não” e voltou para a taberna. E assim Jacques-Maniuel ganhou
uma cebola. Mais um dia de sorte!! Afinal, se calhar ia ficar rico era com
batatas e cebolas…
Já não procurou mais moedas debaixo
das pedras. A partir de agora ficaria de “guarda” à porta de “Chez Gilbert”
(assim se chamava a taberna) pois certamente mais coisas iriam cair…
A verdade é que M.Gilbert se habituou
a ver o miúdo ali à porta, sempre à espera que algo caísse dos cestos e acabou
por, de certo modo, achar graça àquela figurinha ávida de qualquer coisa que o
destino lhe fizesse rolar aos pés. Ficou a pensar um pouco no assunto e um dia
resolveu “facilitar” a vida ao garoto. Cada vez que entrava mercadoria, ele
passou a chamar o rapaz e dava-lhe uma peça. Um dia uma maçã, um dia uma pera,
um dia um nabo, um ovo… A tudo Jacques-Maniuel agradecia com os olhos
arregalados e a felicidade estampada no rosto. Não podia acreditar em tanta
sorte! Ia ficar rico! De certeza!!
Jacques-Maniuel sentia-se tão
abençoado que achou que devia fazer algo para agradecer aquela ajuda de
M.Gilbert e resolveu oferecer-se para qualquer préstimo que ele pudesse ter.
M.Gilbert levou-o então para a cozinha
da taberna e deu-lhe algumas tarefas para executar: descascar batatas, lavar
panelas, etc. Embora com algum custo, Jacques-Maniuel nem podia acreditar na
sorte que tinha!
Capítulo 3
M.Gilbert era casado com Marie Yvonne.
Marie Yvonne era filha de uma aia do castelo de Bagnolet. Embora vivesse na ala
reservada aos serviçais, às escondidas da mãe, esgueirava-se pelos cantos do
castelo e escondia-se para escutar os cantos líricos e os concertos ao som do
cravo e do violoncelo e mais tarde do piano. Marie Yvonne era uma menina meiga
e delicada, cedo aprendeu a apreciar a arte, não só pela música como também
pelos livros que folheava horas a fio, sempre às escondidas, na biblioteca do
castelo.
Rodeada por muitas pessoas de várias
culturas, havia sempre alguém que tinha prazer em ensinar-lhe a ler, a escrever e também a
contar.
Aí conheceu Gilbert Lafforte,
cozinheiro aprendiz do castelo. Cresceram juntos e mais tarde casaram e tiveram
dois filhos, Lucien e Marc-Antoine.
Lucien era muito parecido com a mãe.
Alto, magro, sossegado, de aspecto delicado mas resistente, encontrou nos
livros o amor da sua vida. Enquanto que Marc-Antoine era mais parecido com o
pai; sempre foi um menino com grande actividade física. Procurava constantemente
algo, bisbilhotava, questionava, inventava, enfim, irrequieto e irreverente,
aprendeu com a mãe a fazer contas e divertia-se a resolver charadas e outras
brincadeiras que obrigassem ao raciocínio e às contas. Brincalhão, sempre bem disposto,
cresceu forte, saudável e independente.
Quando o castelo foi vendido, os
Senhores ofereceram a cada empregado uma pequena verba como reconhecimento pelo
trabalho prestado. Com a parte que lhe coube, Gilbert decidiu abrir uma tasca
ou taberna, onde serviria bebidas e algumas refeições como sopas, guisados e
pão. Marie Yvonne passou a ser responsável pela compra de mantimentos e pelas
contas da taberna, a que chamaram “Chez Gilbert”.
Os primeiros tempos foram difícieis,
como qualquer negócio, mas aos poucos, “Chez Gilbert” foi sendo conhecida e a clientela
afluiu em quantidade suficiente para manter a ‘porta aberta’. Os rapazes
cresceram e fizeram-se homens. Lucien procurou emprego numa livraria e não
descansou enquanto não conseguiu integrar os quadros da Biblioteca Municipal,
mas teve que sair do bairro e mudar-se para o centro da cidade. Passou a viver
para os livros e levava uma vida calma e cheia de leituras.
Marc-Antoine optou por uma carreira
dedicada às contas: tirou um curso de guarda-livros (commis aux écritures - comptable), e também se mudou para um bairro mais erudito em
que os seus préstimos eram mais procurados e melhor remunerados. Era feliz,
tinha muitas namoradas, tinha uma vida desafogada, enfim, era um “bom-vivant”.
Ambos visitavam os
pais com frequência, tanto “Chez Gilbert” como em casa. Marie Yvonne sabia que
Lucien era feliz com os seus livros e que Marc-Antoine, mais tarde ou mais cedo
iria encontrar a sua alma-gémea e adoçaria a sua velhice com lindos netos.
Nas suas passagens
por “Chez Gilbert”, tanto Lucien como Marc-Antoine divertiam-se a ensinar
Jacques-Maniuel a ler e a contar. O garoto aprendia depressa e tinha muita
vontade de saber mais, sempre mais, o que dava prazer aos dois rapazes que o
ensinavam.
Com tudo isto,
Jacques-Maniuel passava muito do seu tempo “Chez Gilbert” e quase passou a
fazer parte da família.
Cerca de um ano mais
tarde, M.Gilbert convidou Jacques-Maniuel a trabalhar na taberna, a troco de um
salário.
Jacques-Maniuel ia
tendo um ataque de felicidade! Agora sim, ia finalmente ficar rico!! Aprendeu
novas tarefas e entregou-se de corpo e alma àquele emprego.
Quando recebeu o
primeiro salário, as mãos tremiam de emoção ao segurar as moedas recebidas! O
seu pensamento corria a mil, pensando na imensidão de coisas que poderia
comprar com aquele dinheiro ‘todo’!
Decidiu que iria à
pastelaria de M. Larousse e compraria o bolo mais bonito e melhor que
encontrasse. Assim fez, contou a M. Larousse a boa nova do emprego e do
salário, comprou um lindo bolinho com creme e chocolate e correu para casa para
o oferecer à mãe. Pela primeira vez na vida ia comer um bolo fresco!
Jacqueline ficou
muito feliz com a nova situação do filho. Embora não achasse muito bem o garoto
estar a trabalhar, pelo menos estava entretido em algo de bom em vez de passar
o dia nas ruas a vadiar. E feliz também por ver que ele o fazia com gosto e que
começava a dar valor ao trabalho.
“Mãe, qualquer dia,
quando eu crescer mais um bocadinho, vou trabalhar mais e ganhar mais e tu vais
poder deixar de trabalhar naquela casa!”, dizia Jacques-Maniuel muito
esperançoso. Tinha tantas ideias na cabeça!! Tantas!! Ia continuar a trabalhar
com afinco para que M. Gilbert lhe desse mais dinheiro. Ia comprar uns sapatos
novos… ia comprar um vestido novo para a mãe… e um chapéu, daqueles elegantes
que havia na montra da loja de Mme. Antoinette, ia comprar um belo bife para
partilhar com a mãe… ia comprar… acabou por adormecer com estes pensamentos
cheios de optimismo.
Sempre atento e
‘magicando’ ideias, Jacques-Maniuel observava o movimento da cozinha, a
confecção dos pratos, a apresentação, etc, quando pela primeira vez sentiu
fervilhar nas suas veias o sangue português. Aproximou-se de M. Gilbert e
pergunto: “M. Gilbert! Patron…” -
“Oui?” - “M. Gilbert, quantas refeições o senhor consegue servir com duas
batatas, dois ovos e um bocado de queijo?” – “Ora, rapaz, consigo servir uma
refeição!” – “E se eu conseguir servir duas refeições com as mesmas coisas, o patron dá-me o dinheiro da 2ª refeição?”
– “Estás maluco? Como é que podes fazer uma coisa dessas??” – “Patron, deixe-me
tentar…” – Encolhendo os ombros, M. Gilbert disse: “Está bem! Faz lá isso,
sempre quero ver! Ah! Ah! Ah!”
Jacques-Maniuel,
lavou muito bem as duas batatas, descascou-as, cortou-as em rodelas muito finas
e fritou-as. Resultou um belo ‘monte’ de batatas, que davam para dois pratos.
Satisfeito, continuou: cortou as cascas das batatas em tirinhas muito finas,
deu-lhes uma fervura e pôs de parte. Entretanto, cortou o queijo em pedacinhos
muito pequenos (não havia raladores naquele tempo) e juntou-o às cascas de
batata. A seguir adicionou um bocado de salsa picada, os dois ovos, um pouco de
sal, duas ou três colheres de farinha e umas seis colheres de leite. Mexeu tudo
muito bem e separou em duas partes, fazendo duas belas e cremosas omelettes. Colocou-as nos pratos, junto
das batatas fritas e, com duas folhas de alface cortadas em tirinhas, compôs os
pratos e foi apresentá-los ao patron.
M. Gilbert ficou um
pouco admirado pois de facto, os dois pratos estavam cheios e serviam bem duas
pessoas. Mas, na dúvida, foi servi-los a dois clientes e amigos de longa data,
Pierre e Antoine, e ficou a olhar de lado, na expectativa de comentários. Decerto
iam reclamar que era pouca comida!
Os dois homens
olharam para o prato com curiosidade e começaram a comer. Aquilo era muito
diferente do habitual ensopado com feijão, almôndegas ou puré de batata…
Quando os pratos
ficaram ‘limpos’, Antoine exclamou: “Eih! Gilbert! Aprendeste agora a cozinhar,
foi? Ah! Ah! Ah! Belo petisco nos serviste hoje!”.
Admirado e hesitante,
M.Gilbert não sabia bem se estavam a falar a sério ou a brincar e resolveu
‘desculpar-se’ : “Ah-non! Foi o
Jacquel-Maniuel que resolveu brincar aos cozinheiros!”
“Pois bem, podes
pô-lo a cozinhar todos os dias! Se os petiscos dele forem todos como este,
conta comigo!” exclamou Pierre.
Jacques-Maniuel
vibrava de contentamento. M. Gilbert muito admirado mas satisfeito, chamou o
rapaz e disse-lhe: “Bem, compliments!
Conseguiste! E eu vou cumprir o combinado.” E deu-lhe metade do valor que tinha
cobrado pelos dois pratos.
Se calhar os dois
homens não ficariam saciados por tanto tempo como se tivessem comido o dobro,
obviamente, mas o certo é que os pratos foram servidos e comidos sem protestos,
antes pelo contrário!
E assim,
Jacques-Maniuel foi inventando maneiras de fazer render a matéria prima e dar
mais lucro às vendas. O patron
reconhecendo o esforço do rapaz, compensava-o com pequenas gratificações e um
aumento de salário. Jacques-Maniuel não acreditava em tamanha sorte! “Tenho que
me esforçar ainda mais”. E assim fazia, todos os dias, afincadamente trabalhava
e “Chez Gilbert” foi ganhando fama.
Capítulo 4
Os anos foram
passando até que Jacques-Maniuel, já com 16 anos, era o braço direito de M.
Gilbert que, cada vez mais, confiava a gestão da taberna ao seu jovem
protegido.
Jacques-Maniuel
conseguiu concretizar o seu primeiro grande sonho ao alugar um pequeno
apartamento perto de “Chez Gilbert” onde ele e a mãe passaram a viver.
Jacqueline pôde deixar de trabalhar como lavadeira e dedicou-se inteiramente ao
seu filho. Cuidava-lhe da casa e da roupa e vivia feliz. Dizem as más línguas
que até arranjou um namorado, mas como era extremamente discreta, se era
verdade, nunca ninguém confirmou.
A vida decorria calma
e tranquila, Lucien e Marc-Antoine continuavam a visitar os pais com
regularidade; Marie Yvonne continuava à espera que Marc-Antoine assentasse de
vez com uma das namoradas e lhe desse netos, mas Marc-Antoine tinha outras
ideias e queria continuar a viver livre de responsabilidades.
Marie Yvonne ensinou
Jacques-Maniuel a fazer as compras e as contas da taberna e ele foi-se tornando
cada vez mais, o gerente do estabelecimento.
Certo dia, M. Gilbert
chamou os filhos para lhes anunciar que estava a pensar na “retraite”, na reforma… e queria saber
qual dos filhos queria suceder-lhe “Chez Gilbert”.
Lucien e Marc-Antoine
encolheram-se e interrogaram-se mutuamente com o olhar… nenhum deles tinha vontade
de deixar a vida que tinha para se dedicarem a uma taberna! “Porque não dás a
gerência ao Jacques-Maniuel? Ele fica à frente do negócio a troco de uma
mensalidade que seja suficiente para as vossas necessidades… e cada um de nós
continua a sua vida”. “Ora essa” disse M.Gilbert “E quando eu e a vossa mãe
morrermos?” “Nessa altura ele continua a pagar a mim e ao Lucien a mesma
quantia…” disse Marc-Antoine “Ou então, nessa altura propomos-lhe que compre a
taberna”.
E assim foi.
Jacques-Maniuel, já com 20 anos, aceitou alegremente a proposta. A taberna
passou a chamar-se “Chez Gilbert – de
Jacques-Maniuel”. Mandou fazer uma tabuleta nova, com estes dizeres,
pintada com alegres cores parisienses. Um sucesso! Além da boa comida,
apetitosa ao palato e ao olhar, agora até o letreiro era chamativo! Vinha gente
de outros bairros e até do centro da cidade para comer os petiscos de
Jacques-Maniuel.
Jacquem Maniuel
contratou um tocador de concertina que mais alegrava o ambiente, tornando-o
cada dia mais apelativo.
Capítulo 5
Jacques-Maniuel era
agora um elegante homem de negócios. Sua “taberna” sempre cheia de boémios e de
altas individualidades, começava a ser demasiado pequena para dar resposta a
tantas solicitações.
Jacques-Maniuel
resolveu então convencer o seu vizinho René, o Ferreiro, a vender-lhe o espaço
que era anexo à taberna.
René ficou algo
surpreendido. Para que queria o taberneiro o seu estabelecimento de Ferreiro??
Jacques-Maniuel
fez-lhe ver que em breve o trabalho de ferreiro seria menos solicitado pois já
circulavam rumores sobre a substituição dos cavalos por umas máquinas que
funcionavam sem animais. Muito espantado, René deixou-se convencer,
principalmente devido ao facto de não ter ninguém que herdasse a sua profissão
e com o dinheiro que Jacques-Maniuel lhe daria, ele poderia viver
confortavelmente a sua velhice.
E assim foi.
Jacques-Maniuel ampliou o seu espaço de refeições, a que passou a chamar de Restaurant. A remodelação foi grande:
Jacques-Maniuel manteve a zona da taberna, para servir refeições mais
tradicionais aos “velhos” clientes que gostavam do ambiente, para os clientes
com menos possibilidades de frequentar o luxuoso Restaurant, e para os cocheiros e/ou outros serviçais dos comensais
de classe superior.
Com o aumento da clientela e principalmente o aumento da qualidade da clientela, Jacques-Maniuel contratou mais tarde uma pequena orquestra que tocava dentro do Restaurant, para que os clientes pudessem dançar enquanto esperavam pela refeição.
E criou um espaço
numa parte do grande “armazém” que fora a loja do Ferreiro, para os clientes
guardarem os cavalos e suas carroças durante as refeições. Mais tarde, muito
mais tarde, aquela zona tornou-se numa garagem para os automóveis dos clientes.
E comprou também um
bonito e soalheiro apartamento onde vivia com a mãe.
A vida continuava
serena e tranquila para todos estes personagens. Marc-Antoine, o filho mais
novo de M.Gilbert, acabou por encontrar uma namorada que soube convencê-lo que
com ela é que ele estava bem… ficou grávida. Assim, casaram e tiveram mais dois
filhos, que fizeram as delícias da vovó Marie-Yvonne e do vovô Gilbert. Lucien
foi o padrinho dos três sobrinhos e vivia feliz satisfazendo muitos dos desejos
das crianças.
Elegante, inteligente
e trabalhador, Jacques-Maniuel fez-se um autêntico homem de negócios, tendo
transformado a pequena taberna num elegantíssimo Restaurant frequentado pela fina flor de Paris.
Também acabou por
conhecer uma donzela, Natalie, que o levou ao altar. Comprou um bonito
apartamento perto do da mãe, divertiu-se muito a decorá-lo com a sua Natalie e para
lá se mudaram após o casamento.
Tiveram dois filhos,
uma menina, Simone, e um menino, Maurice e a avó Jacqueline era a pessoa mais
feliz daquele bairro.
Pode-se dizer que todos
tiveram uma vida feliz, recheada de alegrias embora com muito trabalho, sempre.
Fim
(?)
Bom, uma história de
sucesso, verdade? Pois isso aconteceu porque Jacques-Maniuel nasceu na hora
certa no local certo. Se tivesse nascido um século mais tarde, a sua vida e de
todos os outros personagens desta história, seria muito diferente.
Se tivesse nascido em
finais do século XX, Jacques-Maniuel teria nascido numa casa onde a mãe trabalhava
sim, provavelmente lavando escadas ou a dias, o pai seria um operário numa
fábrica qualquer. Teriam uma vida modesta mas confortável.
Jacques-Maniuel teria
frequentado a escola, normalmente. Nunca teria trabalhado, pois isso seria considerado exploração infantil. Teria tirado um curso superior e estaria hoje entre
empregos precários que nada tinham a ver com o curso que tirara, e viveria de um
modesto salário mínimo ou de um subsídio de desemprego que fosse conseguindo
entre empregos… estaria a ponderar emigrar… talvez para Angola, talvez para a
Noruega…
Se, por acaso,
tivesse dado um pontapé numa pedra e encontrado 5 cêntimos, nem se teria
baixado para os apanhar, pois 5 cêntimos não davam para nada… nem para comprar
uma batata! E se lhe aparecesse uma batata ou cebola no chão, ter-lhe-ia dado
um pontapé como se de uma pedra se tratasse pois uma batata ou uma cebola não
tinham o menor valor…
M. Gilbert já teria
fechado a taberna há muito, pois teria sido impossível dar satisfação às
exigências da ASAE e não teria conseguido “dar a volta” ao negócio. Teria
fechado e viveria de uma pensão miserável, da qual ainda teria que tirar algo
para ajudar os filhos pois Lucien, no seu emprego na Biblioteca mal ganhava
para o seu sustento e Marc-Antoine tinha que trabalhar mais de 12 horas por dia
para conseguir ter clientes suficientes e ganhar um vencimento decente. Não
teria tempo nem forças físicas para manter a vida de “bom vivant”. E muito
menos teria encontrado uma mulher para casar e ter filhos, quanto mais sustentá-los!
Jacqueline continuaria
a viver no primeiro andar daquela pequena casa alugada e não tinha pensão
porque nunca tinha descontado para a Caixa pois naquele tempo “os patrões” não
descontavam se não fossem obrigados. Viveria agora de um mísero subsídio de
inserção social, sempre receosa que lho cortassem caso o filho arranjasse um
emprego…
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