sábado, 15 de agosto de 2015

Mais umas pinturas


Cabeça do Velho - Vila Pery / Chimoio

Veneza

À Chuva

Bailarinas

África

Em 1976, numa fria noite de inverno.... só quem passou por "lá" entenderá !


quarta-feira, 2 de julho de 2014

O Sonho

Acordei. Está um calor enorme, húmido. Sinto a pele peganhenta. Levanto-me e tomo um duche. A seguir, um rápido pequeno almoço e saio para mais um dia de trabalho. Antigamente ia a pé pois morava mais perto. Agora mudei de casa e estou um pouco mais distante do trabalho por isso vou de carro, no meu Fiat500 (meu... bem, na verdade é da minha mãe, mas como ela já não conduz, fiquei com ele de "mão beijada").

É uma maravilha de máquina: com o vento a favor chega aos 100 Km/h! Uma bomba! Chamo-lhe "o meu bóginhas". Económico, fácil de estacionar, nunca me deixou em apuros. É daqueles que abrem a porta para a frente, de modo que, para sair do carro, obriga-nos a uma ginástica muito "sexy" para não mostrar o que não queremos. Um mimo de carro!

Felizmente, temos um vida calma e tranquila. Temos o nosso emprego, ganhamos o suficiente para subsistir sem luxos mas com algum conforto. Não temos casa própria, mas também não precisamos. As rendas são acessíveis.

Temos um moleque/mainato: limpa a casa, lava e passa a roupa. Vive nas dependências da nossa casa, tem um ordenado mensal e alguns alimentos. Faz-me perder a paciência, às vezes, porque desaparece sem dizer nada e nunca sabemos se está ou não. Mas enfim, não se pode ter tudo. Chamava-se Zé, mas tivemos que lhe mudar o nome. Cada vez que se chamava "Zé!" respondia ele e respondia o patrão (meu marido). Então chegámos a um acordo: que outro nome ele tinha para o chamarmos pelo outro nome? Mas ele optou por não utilizar o seu outro nome e preferiu, alegremente, ser chamado de "António". E assim o Zé passou a chamar-se António e agora já não há confusões cá em casa.

Sou a mais nova de 4, 1 rapaz e 3 raparigas. Tive uma infância muito feliz. Vivemos numa serração, nos arredores de uma aldeia ferroviária, quase no meio do mato. A Vila mais próxima ficava a cerca de 25 km, por isso, acabada a escola primária, tivemos que ir estudar, em regime de internato, para um Colégio de freiras que ficava na Vila. Os nossos pais iam visitar-nos ao domingo à tarde.

Era uma alegria! Depois de uma semana "fechadas" no Colégio, sujeitas a uma disciplina bastante rigorosa, podermos desabafar as nossas "mágoas" com os pais e passar com eles algumas horas, era muito bom! No fim do dia os pais iam embora e nós voltávamos à "prisão". Mas tínhamos um bónus: quem tivesse saído com os pais, ficava isenta da obrigatoriedade de jantar! Podia só petiscar... Isso era bom porque normalmente as refeições no Colégio eram muito ruins! Mesmo!

Acabado o Liceu (5 anos fechadas num Colégio de freiras!!), quem quisesse continuar a estudar, teria que ir para a Capital, a 1200Km de distância, e depois para a Europa... foi o caso do meu irmão. Quando acabou o 5º ano do Liceu, teve que ir para a Capital fazer o 7º ano e depois foi para a Europa para frequentar a Universidade pois nem na Capital havia Universidade. Este afastamento da família foi difícil. Tínhamos muitas saudades dele embora ele tivesse o cuidado de escrever todas as semanas, e escrevia sempre umas palavrinhas meigas e divertidas para nós, as manas mais pequenas. A chegada das suas cartas era sempre um momento alto nas nossas vidas.

Eu e as minhas irmãs ficámos pelo Liceu. A mais velha casou-se poucos anos depois de sair do Colégio. A "segunda" arranjou um emprego e por ali ficou. Eu, que acima de tudo detestava estudar, nem queria acreditar que tinha finalmente acabado o Liceu! Quis logo arranhar um emprego! Mas o meu pai conseguiu convencer-me que para arranjar um emprego melhor, eu podia tirar um "curso prático"... e assim, fui estudar durante mais um ano, mas no país vizinho (mais uma vez, por ali não havia escolas práticas).

Fui então melhorar a língua inglesa e aprender dactilografia e estenografia. Foi um curso interessante pois além das disciplinas básicas, havia outras que ajudavam a passar melhor o tempo: tivemos aulas de "self-defense", de maquilhagem, de decoração, de dicção, de postura, de ginástica...

Foi um curso bastante completo e, se eu estivesse mais motivada, teria certamente tirado melhor partido. Mas não, eu queria era "despachar" para começar a trabalhar e nunca mais pegar num livro! Assim, passei pelo curso rapidamente sem grandes altos nem baixos. Finalmente chegou o fim do ano e com ele o fim do curso.

Voltei para casa. Fiz uma festa com os amigos no quintal de casa dos meus pais: gira-discos, fogueira, bolos e petiscos, e assim passámos um belo fim de tarde e princípio de noite. Sim, porque às 9 horas (21h) já todos estavam na cama pois o dia começava cedo, pelas 6 da manhã.

Dias depois arranjei emprego na cidade (a 200Km). Fiquei hospedada em casa de uma senhora conhecida que alugava quartos e assim começou a minha vida de trabalhador.Tinha eu acabado de completar 16 anos.

Dediquei-me de corpo e alma ao emprego. Gostava mesmo do que fazia e os anos passaram normalmente sem nada de relevante.

Até que um dia, inevitavelmente, comecei a namorar, casei e tive um filho.

Neste momento estou casada e o meu bebé tem 3 meses. Os meus pais e as minhas irmãs vivem agora todos na mesma cidade que eu. Ao fim da tarde, ponho o bebé no carrinho e levo-o até casa da minha mãe, que é perto. Às vezes aparecem as minhas irmãs e lanchamos juntas. Outras vezes, deixo o bebé com a minha sogra, que vive connosco, e vou até à "baixa", encontrar-me com as minhas irmãs numa Gelataria. Comemos um "Parfait" (uma taça grande, cheia de gelado e creme e regado com molho de morango ou de chocolate ou de caramelo... nham!), comemos devagar e conversamos um pouco. Depois, cada uma segue a sua vida. Há que fazer o jantar e preparar-nos para o dia seguinte. 

O passatempo é ouvir rádio, seja música, sejam as notícias. Há quatro salas de cinema na cidade. Três passam filmes em 1ª mão não sei uma vez por semana ou de 15 em 15 dias, e 1 repete os filmes dos outros em sessão dupla. Em poucos dias já os filmes estão todos vistos (isto para quem pode ir sempre ao cinema). 

Esta falta de entretenimento social, faz com que haja muito convívio entre as pessoas. Depois do jantar dá-se um passeio, a pé. Uns dias vamos até à "baixa" ver as montras, outros até à beira-mar, ver as ondas... De vez em quando as pessoas juntam-se em casa de uns e de outros, para uma petiscada, alguma música e muita, muita conversa. Às vezes organizam-se bailes que são muito concorridos. Os conjuntos musicais são um sucesso!

Férias? No primeiro ano que trabalhamos, não há férias para ninguém. Nos anos seguintes, 15 dias por ano. Onde vamos? As outras pessoas não sei, mas eu não vou a lado nenhum. Fico em casa a preguiçar. Vou mais vezes à praia, vou à "baixa" fazer algumas compras, vou lanchar com as manas ou com amigos... só o facto de não ter que cumprir horários já é muito bom! E os 15 dias passam num instante.

É assim a nossa vida. Como disse atrás, sossegada, tranquila e bastante confortável, embora sem luxos e sem grandes actividades, sociais ou outras. A grande vantagem, para mim, é o clima: sempre quente, embora às vezes seja incomodativo, mas durante todo o ano não temos preocupações com casacos ou cobertores... Temos uma boa vida, acho eu.

Perdi o contacto com muitas, senão quase todas, as colegas de escola e do Colégio. Cada um de nós segue a sua vida. Às vezes encontro uma ou outra, mas os afazeres pessoais do momento não nos permitem manter o contacto assíduo. É como calha: se nos vemos, muito bem, fazemos "festa", se não nos vemos, tudo bem na mesma. Sei que mais dia menos dia, as vou encontrar pois vivemos todas por aqui.

Antes do meu filho nascer, o dia de folga era um dia de completo descanso: de manhã praia, um duche e almoço numa esplanada da cidade.

Depois do almoço uma matinée... se o filme for medíocre, sempre dá para fazer uma soneca na frescura do ar condicionado do cinema. À saída levamos com o bafo quente do fim de tarde. Damos um passeio na marginal e sentamo-nos à beira mar para tomar um refresco com uns petiscos: amendoins ou tremoços. Já lá vai o tempo em que serviam como petisco, camarões cozidos ou umas ameijoas. Em alguns locais ainda servem uns pires com dobradinha... Se ainda tivermos fome, mandamos vir qualquer coisa mais substancial e assim ficamos "jantados".

Normalmente, os nossos dias de folga eram assim passados. Agora, com a criança, algumas coisas mudaram mas continuamos a desfrutar de dias de descanso semelhantes, embora agora o bebé nos acompanhe algumas vezes. Quando tal não é conveniente, ele fica com a avó que não se faz de rogada pois adora ficar com ele.

Algo problemático é a questão da saúde: os hospitais por aqui não são propriamente de 1ª categoria. Para doenças comuns, não há problemas, mas se aparece uma doença mais grave, temos que ir ao um dos países vizinhos (entre 300Km a 1500Km) para termos uma assistência médica de confiança. Mas já todos nos habituámos a isso, ninguém sente essa dificuldade pois é uma situação perfeitamente normal e rotineira para todos.

Não haja dúvida que é uma boa vida. Mas será que sabemos dar o devido valor? Nao sei...

********* ºººººººººººº *********

Esta noite tive um sonho muito, muito estranho e de certo modo terrível! E fiquei a pensar nele durante todo o dia pois foi um sonho tão real e tão pormenorizado que me surpreendeu... e ficou-me gravado na memória de uma forma tão nítida que consigo contá-lo todo.

Sonhei que acordámos de manhã com notícias de que houvera uma revolução qualquer. As pessoas andavam compreensivelmente preocupadas. Conversas por aqui e por ali, umas em surdina, outras abertamente, o certo é que ninguém sabia o que o futuro reservava. 

Algumas, muitas, optaram por embalar os seus pertences, vender o que pudessem e partir para a Europa. Outras, muitas também, optaram por ficar, apreensivas, sim, mas expectantes, e esperar que tudo passasse e a vida voltasse ao normal. Outras, como nós, hesitaram entre o ficar e o partir. Mas a situação tornou-se insustentável, e resolvemos partir, principalmente porque, com uma criança pequena, se houvesse "confusão" seria mais difícil fugir.

E assim, no meu sonho, embalámos alguns artigos de primeira necessidade, e partimos para a Europa. Ao embarcar no avião, eu lembro-me que chorava desalmadamente, fazendo uma figura triste no meio dos outros passageiros, mas o desgosto de deixar a minha terra para trás era insuportável!

Chegámos à Europa numa manhã muito fria. No aeroporto, e no país inteiro, ninguém nos esperava! Tivemos que ir de taxi para casa de uma tia e pedimos asilo. Essa tia recebeu-nos, alimentou-nos (pois nós nada tínhamos, tudo ficara para trás) e ajudou-nos a procurar emprego e casa.

Os primeiros anos foram muito difíceis, sendo o pior inimigo, o clima frio dos invernos europeus, nunca antes experimentado. A falta de meios económicos também dificultou muito a reintegração. Foram anos muito, muito difíceis.

No meu sonho, sentia na pele não só o frio, como também a relutância, para não dizer o desprezo e repúdio, das pessoas que nos viam como usurpadores dos seus postos de trabalho. Nós não tínhamos culpa que nos tivessem tirado TUDO de um dia para o outro. Nós tínhamos que sobreviver e para isso, tivemos que aceitar todo e qualquer trabalho que nos fosse oferecido.

A agitação do sonho acalmou quando vi que tínhamos atingido um nível de vida estável. Eu tinha já uns 60 anos. Tínhamos mais um filho, uma menina. Ambos cresceram, estudaram e formaram-se sempre perto de nós pois ali havia escolas de todos os tipos perto de casa. Nunca sofremos as dificuldades do afastamento dos filhos, nem em colégios, nem noutras cidades.

A assistência médica era bastante boa. Hospitais, centros de saúde, vacinação, embora com algumas lacunas, tínhamos sempre por perto. De repente o meu marido teve um problema cardíaco grave e foi operado num dos melhores hospitais, perto de casa, e com óptima assistência.

Mas no fundo do coração, mantinha-se sempre uma mágoa constante, meio adormecida, mas sempre presente, da saudade da terra deixada, da vida que ficara perdida para sempre. Neste momento em que recordo esta parte do sonho, parece que sinto a mesma pontada no coração que senti no sonho...

Essa "dor" acalmava quando, por coincidência, reencontrávamos alguém da nossa vida passada! Que alegria, que emoção, quantas recordações partilhávamos! Deste modo nos consolávamos uns aos outros. Através de uns chegámos a outros e assim conseguimos reencontrar amigos e conhecidos que tínhamos perdido. Desejávamos voltar ao passado, mesmo sabendo que isso seria impossível, mas juntos, a dor era menor pois parte da vida passada se juntara de novo e o passado era agora vivido no presente.

********* ºººººººººº *********

Acordei. Está um calor enorme, húmido. Sinto a pele peganhenta. Levanto-me e tomo um duche. A seguir, um rápido pequeno almoço e saio para mais um dia de trabalho, no meu Fiat500. É a mesma rotina de sempre.

Mas... que estranho sonho tive esta noite. Quanto mais penso nele mais vivas sinto as situações sonhadas. Que vida foi aquela que sonhei? Melhor ou pior do que a que tenho actualmente aqui? No sonho tive momentos difíceis sim, mas... passado o choque dos primeiros anos e as dificuldades da adaptação, tinha depois atingido uma fase muito estável... tinha tido sempre os filhos por perto, ambos formados e saudáveis, os problemas de saúde sempre resolvidos sem grandes dificuldades....

Aqui, neste momento, já começo a pensar para que escola longínqua terei que enviar o meu filho quando ele quiser tirar um curso superior... e, se vou ter outro filho, e for uma menina como no sonho, terei que a internar num colégio de freiras para poder estudar?

E se o meu marido tiver mesmo o problema cardíaco que teve no meu sonho, o que faço?? Levo-o ao país vizinho?? Irei a tempo?? Terei que pedir às minhas irmãs que fiquem com as crianças enquanto o acompanho?? E elas ainda estarão por perto?

E será que vou conseguir manter o contacto com tantas amigas que já não vejo há tanto tempo? Sei que andam por aí, mas não sei nada das suas vidas...

Este sonho deixou-me confusa e muito pensativa. Lá, no sonho, reencontrei tantas amigas da escola! Esses reencontros tornaram a minha vida de sexagenária em vida de "sexalescente". Será que nesta realidade que vivo agora, algum dia virei a reviver a juventude da maneira que a senti no sonho?

Qual das vidas seria preferível, se pudesse escolher?

Não sei... não sei....

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Pedacinhos de vidas passadas....

«Era uma vez ….…………….. FIM»

"Capítulo 2


Hoje só entro de serviço às 13h… que bom, posso dormir mais um pouquinho.

O turno da tarde é diferente do da manhã, as rotinas são outras.

Começo por me levantar, tomar um duche rápido e a seguir um pequeno almoço de verão: uma laranja fatiada, um café com leite frio, uma torrada com doce de qualquer coisa. Folheio umas revistas, escrevo uma carta aos pais (naquele tempo escreviam-se cartas) e preparo-me para o trabalho.

Vou a pé, são só uns 800m, mas debaixo do sol tórrido do meio dia, é tarefa difícil! Chego ao hotel onde trabalho, completamente exausta e transpirada. Sento-me na esplanada coberta, durante pelo menos 10 minutos para retomar o fôlego e normalizar a respiração. 

Depois vou almoçar no self-service. Tínhamos direito à refeição no horário em que estávamos a trabalhar.

Comia-se bastante bem, os funcionários eram simpáticos e havia sempre lugar para uns cumprimentos, umas larachas, e até anedotas.

E às 13 em ponto, lá estava eu a “pegar” ao serviço. Ia à Tesouraria levantar a Caixa, conferir o fundo de maneio e iniciar o trabalho: “Hello, good afternoon! Can I help you?” (smile, sempre!)

O Hotel era maioritariamente frequentado por turistas dos países vizinhos. Alguns vinham todos os anos e às vezes mais que uma vez por ano. Muitas vezes acabávamos por fazer verdadeiras amizades.

Alguns, muito simpáticos, traziam-nos chocolates: uma caixa para as duas que normalmente estavam de serviço. Agradecíamos, claro, distribuíamos pelos colegas e guardávamos o resto no cofre para os dias seguintes.

Só que, normalmente, no dia seguinte os chocolates desapareciam e só ficava a caixa… os meninos do turno da noite (rapazes novos, normalmente militares que faziam ali uma ‘perninha’ para ganhar mais ‘algum’), comiam os chocolates, todos! E nunca o admitiam! Sim, estavam no cofre, mas todos os funcionários da Recepção sabiam o segredo para o abrir porque era onde se guardavam as chaves de todo o empreendimento (à noite guardavam-se as chaves e logo de manhã eram novamente distribuídas pelos encarregados de cada secção).

A minha colega Isabel, naquele dia aborreceu-se mesmo porque estava desejosa de um chocolatinho e, mais uma vez, encontrou a caixa vazia! “Podiam ao menos deixar um ou dois!!! Malvados! Esperem aí que eu já vos faço a folha!!”

Um dia soubemos que tinha havido um grande “arraial” por ali durante a noite! Todos tinham tido uma grande diarreia: os rapazes do turno da noite, os porteiros, os telefonistas e até o patrão!!!

Com o ar mais ingénuo do mundo, fingindo grande consternação, alvitrámos que “se calhar” tinham comido uns chocolates que estavam no cofre… “se calhar” estavam estragados... “se calhar” eram laxantes…. “Nunca íamos imaginar que alguém os ia comer…” (ahahahaha gargalhadas sorrateiras! A Isabel tinha mesmo posto lá chocolates laxantes!)

O certo é que nunca mais desapareceram chocolates do cofre!

A hora do lanche era “sagrada”. Visita ao self-service para comer um scone maravilhoso, um chá ou uma torrada. No regresso passava pelo salão da cabeleireira que, não tendo clientes, me sentava na cadeira e me penteava, experimentando novos produtos. Eu tinha os cabelos compridos e aquele “tratamento” fazia com que andasse sempre muito “arranjadinha”, O patrão (aquele sacaninha de quem já tenho falado!), quando estava bem disposto, dizia que eu era a Marlene Dietrich….

Estas pausas eram sempre bem vindas e muito apreciadas. Já recomposta, voltava ao trabalho.

Nos dias de grande movimento – Natal, Páscoa, Férias Grandes ou qualquer outro feriado que facultasse 4 ou 5 dias de descanso – não se podia mesmo sair para lanchar. Os clientes chegavam aos “magotes”. Eram horas a fio, desde as 6 da manhã até depois da meia-noite, sempre a “dar entrada” de hóspedes para o Hotel e para o Acampamento. Cada pessoa tinha que preencher uma ficha para a Polícia, individual, mais a Ficha Geral de Hóspede do Hotel. Era nossa função ajudar ao preenchimento daquela imensidão de fichas, copiando os dados dos passaportes, tínhamos que registar a morada, dias de permanência, razão da visita (era sempre ‘turismo’ mas tinha que ficar escrito); depois havia que fazer as contas, receber o pagamento, normalmente em moeda estrangeira, fazer o câmbio e dar o troco… nem dava para respirar!

Encomendávamos então umas Bifanas ao bar do Pavilhão da Praia. As bifanas eram de-li-ci-o-sas!! Nunca mais na minha vida comi umas bifanas tão boas! Bem temperadas, tenras, suculentas, o pão levemente tostado e impregnado com os sucos da carne, hummmm!!!! Só de pensar nelas fico salivando!

Uma das coisas que NUNCA podíamos fazer, era alugar um quarto a um casal que não fosse casado. Crime! Drama! Escândalo! Proibidíssimo! Nós e o patrão podíamos ir parar à cadeia! (pelo menos assim diziam, eu cá não acreditava!). Isto era muito embaraçoso para o/a funcionário/a da Recepção.

Quantas e quantas vezes não alugávamos dois quartos para duas pessoas não casadas e elas, depois, obviamente, só ocupavam um. As Encarregadas dos quartos eram obrigadas a reportar quando houvesse um quarto marcado como “ocupado” mas que a cama não era utilizada! A regra dizia que tínhamos que chamar o hóspede e esclarecer o assunto, referindo sempre que, pela Lei do nosso País, era PROIBIDO dormirem juntos se não eram casados. Enfim, um desgaste psicológico para os funcionários que tinham que fazer estes ‘papéis’! Eu não tinha paciência para estas “cenas”. Quando uma destas situações me era reportada, eu chamava o cliente e pedia-lhe o favor de “pelo menos, escangalhar a cama” para não levantar questões com a gerência… Não imaginam a cara dos clientes confrontados com estas questões. Alguns ficavam encabulados, e prometiam que iam ocupar o outro quarto (se calhar dormiam uma noite num quarto e a outra noite no outro, eheheheh). Mas eram mesmo cenas “macacas”.

Numa destas situações, lá tive que dizer ao cliente “Peço desculpa mas a nossa Lei não permite que se alugue um quarto a um casal que não seja casado”. Ao que ele respondeu, muito naturalmente, com os olhos arregalados: “Ah! Mas nós dois somos casados!! Bem, não um com o outro, mas somos ambos casados!!”

Sinceramente! Encolhi os ombros e disse: “Então ponha aí o nome da Senhora no sítio onde diz ‘esposa’” - sacudi assim a água do meu capote e aluguei um só quarto!

Uma vez, após ter sido chamado à atenção, um cliente re-incidiu! Que horror!! Que atrevimento!!!! Foi apanhado por um vigilante a saltar o murete para entrar no quarto “proibido”!! Foi perseguido pelo vigilante que, não conseguindo apanhá-lo, apresentou queixa. Era mesmo assim, se não apresentasse queixa ficava sujeito a ser despedido. O patrão não perdoava! Assim, naquela noite, depois da queixa, veio a Polícia, veio o patrão, veio “meio mundo” para perseguir e apanhar o “faltoso”! Numa terra onde nunca acontecia nada, aquilo foi um festival! Foi feita uma autêntica rusga e o “delinquente” finalmente apanhado!

Esta foi a versão contada no hotel.

Uns dias mais tarde, apareceu um Guarda com o Auto para ser assinado pelo patrão. Por curiosidade, enquanto levava o documento, dei uma olhada, e dizia algo assim: «… tendo o Oficial pedido para entrar no quarto, foi facultada a entrada pela senhora “X” não tendo sido encontrado o Sujeito à vista. Insistindo para revistar a instalação, foi o Sujeito então encontrado debaixo da cama usando como única vestimenta um par de cuecas. O Sujeito foi detido e escoltado para prestar declarações. Foram testemunhas ‘blá, blá, blá’ »

E assim se vivia naquela época……..



1957… num dia qualquer….



Acordei ao som de um “tic-tic-tic” e pensei (se é que com aquela idade eu pensava!): “devem ser 5 da manhã… o Pai já está a pé….” E continuei a dormir.

O meu Pai levantava-se sempre às 5 da manhã e preparava o seu café antes de ir para o trabalho. Ele não mexia o café com a colher às voltas na chávena como qualquer pessoa faz; não, ele abanicava a colher para os lados, batendo na chávena e fazendo aquele som inconfundível do “tic-tic-tic-tic”. Era uma espécie de ‘galo da manhã’, melhor que um campanário de igreja. Invariavelmente, cerca das 5 da manhã.

Depois ia para o trabalho e voltava às 8h para tomar o matabicho: dois ovos estrelados com batatas fritas e torradas. Normalmente deixava sempre um bocado no prato e eu, sempre sorrateira, esgueirava-me para cima da cadeira e devorava os restos rapidamente, antes que alguém me visse! Deixava sempre uns restos a “sujar” o prato, para disfarçar… Adorava aquele sabor do ovo, temperado com sal e pimenta! Nunca soube se a minha Mãe alguma vez desconfiou que era eu que limpava o prato, nunca lhe perguntei …

Isto porque nós, as crianças, não tomávamos o mesmo matabicho. O nosso era o leitinho com uma colher de algo solúvel (Ovomaltine!?) e torradas; nada de ovos nem batatas fritas!

Acordava lá pelas 6h30, 7h, depois era o suplício de ser penteada pela minha Mãe ou pela minha irmã mais velha. Esticavam-me aqueles cabelos para fazer o rabo-de-cavalo e era horrível! Eu bem me queixava, mas elas gozavam comigo “Ai??? É a cantiga do Ai???” ou então a frase italiana “I capelli della coppa fanno aprir la bocca” (os cabelos da nuca fazem abrir a boca; em italiano rima)… e sentia-me mal, quase a desmaiar, lembro-me tão bem!

Finalmente RUA! Que bem me sabia aquele ar fresco da manhã; corria pelos caminhos em direcção a algum ponto de brincadeira. Hoje penso que haveria falta de oxigenação dentro de casa. A minha Mãe sempre com medo de tudo, mantinha portas e janelas bem fechadas durante a noite e a falta de ar fresco provavelmente me provocava aquele mal estar e vontade de ir para a rua.

Naquele sítio onde morávamos, éramos 5 miúdos, com idades entre os 12 e os 4 anos, eu tinha 6 e o de 4 anos era muitas fezes “fintado” pelos outros porque não conseguia acompanhar as nossas brincadeiras… coitado do Filipinho! Andava sempre à nossa procura para brincar…

Naquele dia a brincadeira era, mais uma vez, índios e cow-boys.
Os nossos cavalos eram os bidons de gasóleo que estavam deitados numa zona do recinto. Puxávamos dois ou três para os separar dos demais e montávamos como se fossem cavalos. Em vez de baloiçar para a frente e para trás, tínhamos que baloiçar para os lados, obviamente… E gritávamos, fingindo que quase nos apanhávamos uns aos outros, braços no ar, ameaçadores, bramindo as pistolas e/ou, os arcos e flechas que fazíamos com uns ramos de árvore e uns cordéis, e “catrapu-catrapum-catrapum” cavalgávamos por aqueles prados infinitos da nossa imaginação.

(exemplo dos bidons que usávamos como ‘cavalos’ – os que nós usávamos não estavam amolgados como estes, e ‘rolavam’ na perfeição)

Depois tínhamos que ir comer… apanhávamos umas folhas de limoeiro ou de outra árvore qualquer, metíamos dentro de água, fazíamos o chá e bebíamos!!… Intragável certamente, mas para nós, uma delícia!

Durante a refeição verdadeira, em casa, roubávamos pedacinhos de comida às escondidas dos pais, metíamos num lenço os pedaços de batata, ervilha, enfim, o que fosse, e levávamos para a “refeição” dos cow-boys. Corríamos imediatamente a seguir ao almoço para mostrar uns aos outros, os troféus que conseguíramos “roubar”. Depois comíamos aquela ‘porcaria’ como se fosse um manjar dos deuses.

Às vezes combinávamos ir “aos passarinhos”. Ao acordar, púnhamos um boneco à janela, em sinal de que tudo estava a correr como planeado, e o primeiro que ficasse pronto iria bater na janela assinalada, pronto para a aventura.

Ir “aos passarinhos” implicava ir pelo mato até à propriedade mais próxima, de um escocês sempre muito mal humorado, que tinha plantações de milho. As maçarocas eram apanhadas e depositadas num ENORME recinto rectangular com alguns 2 ou 3 metros de altura e 8 ou 10 metros de comprimento. Evidentemente estava sempre cheio de pássaros e passarinhos que iam comer o milho. O dono daquilo não gostava de ninguém, sobretudo de miúdos (nem do filho dele! Nunca o deixava ir brincar connosco) e ralhava sempre com quem se aproximasse dos seus terrenos.

Portanto, entre o medo do mato, o medo do escocês, o medo das cobras e o medo de levarmos uma sova se os nossos pais soubessem que tínhamos ido para ali, mandávamos duas ou três fisgadas (falhávamos sempre) e fugíamos de volta para casa, com arranhões nas pernas provocados pelas ervas altas e secas, com mordidas de insectos, etc! Ou seja, pura perda de tempo, mas achávamos aquilo o máximo da aventura!

Estas nossas incursões pelo mato eram uma constante. Um dia decidimos que iríamos até ao rio. Os indígenas diziam que havia um rio “lá em baixo” mas não sabiam dizer quanto “em baixo” era. E nós lá fomos, depois do almoço, mato adentro, pelo carreiro que os indígenas usavam para ir para os seus acampamentos.

Passámos palhotas, acampamentos, mato, mais mato, mais umas palhotas… de vez em quando perguntávamos onde era o rio. A maior parte das ‘manacages’ (mulheres indígenas) que encontrávamos a trabalhar nas suas pequenas hortas, nem sabia falar português. Riam-se, acenavam-nos, diziam algo incompreensível para nós, e continuavam na sua tarefa.

Continuámos. Não íamos desistir! Já tínhamos andado tanto, decerto não faltaria muito.

Mais mato, algum cansaço, muita expectativa e muita vontade de ver o rio… e mais mato! Já anoitecia quando ouvimos alguma algazarra nas nossas costas. Vozes de homem, vozes de mulher, tons de interrogação, tons de respostas vagas…. Resolvemos parar para “fazer um ponto de situação” (já estava a ficar bastante escuro e não encontrávamos o rio!!). Já teríamos andado bem uns 3 km para dentro do mato.

De repente aparece o meu Pai!

Com o sobrolho carregadíssimo, cara de muito poucos amigos, esbracejava, ralhava “Rio??? Qual rio???? Vocês são malucos??? Sabe-se lá onde há um rio!!! Já para casa!!! IMEDIATAMENTE!!!”

E foi o que fizemos, claro!

Ou seja, quando deram pela nossa falta, começaram a perguntar quem nos teria visto. Uns atrás dos outros, os indígenas lá foram dizendo por onde nos tinham visto e qual seria a nossa intenção. O meu Pai foi na camioneta até onde pôde, e depois seguiu a pé à nossa procura.

Chegámos a casa já noite cerrada (lá anoitecia a partir das 18h) e tanto quanto me lembro, a “coisa” acabou ali. Uns ralhetes, mas nada de mais. Eu fiquei com a alma cheia por aquela aventura incrível, embora decepcionada por não termos encontrado o rio.


Mais tarde viemos a saber que havia um riacho, sim, mas a alguns 10 kms dali!!

A história de Jacques-Maniuel

A história de Jacques-Maniuel


Jacques-Maniuel era um menino de 9 anos que vivia nos subúrbios de Paris em finais do Século XIX. Não andava na escola… Enquanto a mãe, Jacqueline, trabalhava, ele passava o dia pelas ruelas da cidade, brincando com outras crianças nas mesmas condições.


Jacques-Maniuel era filho de Manuél “O Espanhol” e de Jacqueline Bricosé. Manuél “O Espanhol” aparecera no bairro num certo dia de verão e logo as pessoas o apontavam como um estranho, uma vez que ninguém o conhecia por ali. Rapidamente se criou um burburinho: quem seria? De onde viria? O que faria ali?

Porque as pessoas gostam do mistério e de criar “histórias” à volta das personagens desconhecidas, cada um dava a sua opinião sem se preocupar muito com a verdade dos factos. O certo é que Manuél “O Espanhol” era Português e não Espanhol.

Manuél “O Espanhol” logo se destacou pela sua bela e garbosa figura (português, né?): alto, moreno, bem constituído, autêntico “macho latino”, caiu imediatamente nas graças do mulherio do bairro parisiense de Bagnolet. Mas Manuél “O Espanhol” só “viu” Jacqueline. Perdeu-se de amores por ela e juntos viveram uma bela história de amor, culminada com o nascimento do pimpolho, pequeno herói da nossa história, Jacques-Maniuel.

A família
Manuél “O Espanhol” contou a Jacqueline que vinha de Portugal, um país que ficava depois de Espanha. Na época foi muito difícil fazer entender às pessoas que havia mais países, para lá do país vizinho. Assim, quando Jacqueline explicava às amigas que o seu Manuél vinha de Portugal, um país a seguir a Espanha, elas diziam logo “Ah! Espanha, sim…” (Espanha já era conhecida porque era o país vizinho) e assim passaram a chamar-lhe Manuél “O Espanhol”.

Além disso, se ele fosse mesmo Espanhol, seria certamente Mañoêl e nunca Manuél… enfim, temos que dar o desconto devido à época.

Não sabemos o que aconteceu a Manuél “O Espanhol”. Um dia, cerca de dois anos depois do nascimento do pimpolho, resolveu que tinha que procurar trabalho noutro lugar porque ali a crise instalara-se e não havia outra saída.

E assim, com o saco às costas, o Português Manuél “O Espanhol” pôs-se a caminho, à procura de um futuro melhor, e nunca mais apareceu!

Terá sido atropelado por uma carroça e agonizou na berma da estrada? Terá escorregado, batido com a cabeça e perdido a memória? Terá encontrado uma noiva rica e vive agora uma vida de luxo? Seria um extraterrestre e terá voltado à sua nave? Não sabemos…




Capítulo 2

Naquele dia Jacqueline voltou do trabalho cansada mas já conformada com o desaparecimento do seu Manuél (embora nunca o tenha substituído), subiu as estreitas escadas que conduziam ao 1º piso, entrou em casa, abriu a janela para arejar e fazer entrar os últimos raios de sol e foi preparar o jantar.

Descascou a última cenoura que tinha, colocou-a numa pequena panela com água, quatro pedacinhos de “saucisson” (uma espécie de chouriço), uma pitada de sal e duas folhas de couve que lhe dera Mlle. Marie, a porteira do prédio onde trabalhava como lavadeira. Esperou que levantasse fervura, acrescentou uma boa mão-cheia de arroz, dirigiu-se à janela e chamou: “Jacques-Maniuéééél !!! Jacques-Maniuéééél !!  Vem jantar!” E voltou para dentro.

Entretanto, Jacques-Maniuel brincava na rua, entretido a dar pontapés nas pedras, mãos nos bolsos, barrete enfiado na cabeça até às orelhas, um casaquito que já não tapava os punhos e mal chegava à cintura.
Ao chutar uma pedra, descobriu uma moeda de 1 centavo. Esbugalhou os olhos, baixou-se, apanhou a moeda, olhou em volta e desatou a correr para casa “Mãe! Mãe! Olha o que eu achei!” disse, assim que chegou. “Um centavo!! Será que dá para comprar uma cebola??” A mãe sorriu, feliz, e disse “Sim, talvez! Agora vem comer”.

Enquanto saboreava a sopa, Jacques-Maniuel pensava que melhor que ficaria a sopa se tivesse uma cebola! E começou logo a imaginar-se, no dia seguinte, a dar pontapés em todas as pedras do caminho até encontrar um monte de moedas! E com essas moedas compraria muitas cebolas e cenouras no mercado, compraria belas peças de carne na loja de Monsieur Gaspar, peixe fresco a Mme. Laurent, uma torta na pastelaria de M. Larousse e também uma panela e uma boa frigideira. Sim, definitivamente, a mãe estava a precisar de uma frigideira nova.

Foi-se deitar com o firme propósito de ficar rico com tantas moedas que iria encontrar debaixo das pedras.
Os dias foram passando, milhares de pedras pontapeadas, mas moedas, nem mais uma! Começou a ficar desanimado. Foi assim que nasceu a célebre frase “ninguém fica rico a procurar ouro debaixo das pedras”….

Mas Jacques-Maniuel era um rapaz persistente. Não ia desistir! Afinal, há tantos anos que dava pontapés nas pedras e só agora lhe tinha aparecido uma moeda! Certamente era difícil, mas não impossível. Tinha que continuar.

E assim, de pedra em pedra, Jacques-Maniuel passava os dias à procura da sua fortuna.

Passou em frente à pastelaria de M. Larousse e ficou mais uma vez a olhar para a montra cheia de pães e bolos de aspecto delicioso. M. Larousse era boa pessoa. Baixinho, gorducho, bigode farfalhudo, uma grande careca e uma coroa de espessos cabelos grisalhos onde acabava a careca. Usava uma espécie de pequeno chapéu de pasteleiro enterrado até às orelhas, de tal modo que os tufos de cabelo pareciam ser a aba do chapéu. Como frequentemente fazia, M. Larousse chamou Jacques-Maniuel e deu-lhe um bolo que tinha sobrado dos dias anteriores e que certamente nunca iria conseguir vender. Agradecendo alegremente, Jacques-Maniuel continuou a sua caminhada à procura da fortuna, guardando o bolo no bolso das calças, para mais tarde o partilhar com a mãe.

Ao passar em frente da taberna de M. Gilbert viu que estavam a entregar uns cestos com batatas; uma batata caiu do cesto e rolou pela estrada. Jacques-Maniuel correu para a apanhar enquanto pensava se ficaria com ela ou se a entregasse. Raciocinando rapidamente, resolveu entregá-la: “M. Gilbert! M. Gilbert!” gritou do outro lado da rua “Esta batata caiu do cesto!” M. Gilbert olhou para trás e viu o rapaz de braço estendido com a batata na mão. E pensou: “Bah! Uma batata!” e fazendo um gesto displicente, disse: “Fica com ela!” e entrou na taberna atrás do carregador e da cesta de batatas.


À porta da taberna

Jacques-Maniuel não podia acreditar! Que sorte!! A mãe ia ficar contente, de certeza!

Voltou para casa correndo, cantarolando, feliz com os seus troféus: um bolo e uma batata! Dia de sorte, mesmo!

Ao ver os “troféus” a mãe sorriu contente pela alegria do filho, pela batata e pelo bolo mas sobretudo pela generosidade do filho, que tudo partilhava com ela (esta é a parte lamecha da história).

Cada vez mais determinado em enriquecer, Jacques-Maniuel continuava à procura de moedas debaixo das pedras, sem contudo ter sorte alguma. E ia pensando enquanto dava mais um pontapé… “Já sei, vou pôr-me à porta da taberna de M. Gilbert, pode ser que caia mais alguma batata.” Sempre ganhava qualquer coisa… E assim fez. Sem perder noção das pedras da rua, ia deitando um olho a tudo o que carregavam para dentro da taberna. Ao terceiro dia, caiu uma cebola. “Vitória!!!”, pensou. E repetiu a cena: “M. Gilbert! M. Gilbert!” gritou do outro lado da rua “Esta cebola caiu do cesto!” M. Gilbert olhou para trás e viu outra vez o mesmo rapaz de braço estendido com a cebola na mão. Mais uma vez, não se incomodou em apanhar a cebola, acenou um “não” e voltou para a taberna. E assim Jacques-Maniuel ganhou uma cebola. Mais um dia de sorte!! Afinal, se calhar ia ficar rico era com batatas e cebolas…

Já não procurou mais moedas debaixo das pedras. A partir de agora ficaria de “guarda” à porta de “Chez Gilbert” (assim se chamava a taberna) pois certamente mais coisas iriam cair…

A verdade é que M.Gilbert se habituou a ver o miúdo ali à porta, sempre à espera que algo caísse dos cestos e acabou por, de certo modo, achar graça àquela figurinha ávida de qualquer coisa que o destino lhe fizesse rolar aos pés. Ficou a pensar um pouco no assunto e um dia resolveu “facilitar” a vida ao garoto. Cada vez que entrava mercadoria, ele passou a chamar o rapaz e dava-lhe uma peça. Um dia uma maçã, um dia uma pera, um dia um nabo, um ovo… A tudo Jacques-Maniuel agradecia com os olhos arregalados e a felicidade estampada no rosto. Não podia acreditar em tanta sorte! Ia ficar rico! De certeza!!

Jacques-Maniuel sentia-se tão abençoado que achou que devia fazer algo para agradecer aquela ajuda de M.Gilbert e resolveu oferecer-se para qualquer préstimo que ele pudesse ter.

M.Gilbert levou-o então para a cozinha da taberna e deu-lhe algumas tarefas para executar: descascar batatas, lavar panelas, etc. Embora com algum custo, Jacques-Maniuel nem podia acreditar na sorte que tinha!



Capítulo 3

M.Gilbert era casado com Marie Yvonne. Marie Yvonne era filha de uma aia do castelo de Bagnolet. Embora vivesse na ala reservada aos serviçais, às escondidas da mãe, esgueirava-se pelos cantos do castelo e escondia-se para escutar os cantos líricos e os concertos ao som do cravo e do violoncelo e mais tarde do piano. Marie Yvonne era uma menina meiga e delicada, cedo aprendeu a apreciar a arte, não só pela música como também pelos livros que folheava horas a fio, sempre às escondidas, na biblioteca do castelo.

Rodeada por muitas pessoas de várias culturas, havia sempre alguém que tinha prazer em  ensinar-lhe a ler, a escrever e também a contar.

Aí conheceu Gilbert Lafforte, cozinheiro aprendiz do castelo. Cresceram juntos e mais tarde casaram e tiveram dois filhos, Lucien e Marc-Antoine.

Lucien era muito parecido com a mãe. Alto, magro, sossegado, de aspecto delicado mas resistente, encontrou nos livros o amor da sua vida. Enquanto que Marc-Antoine era mais parecido com o pai; sempre foi um menino com grande actividade física. Procurava constantemente algo, bisbilhotava, questionava, inventava, enfim, irrequieto e irreverente, aprendeu com a mãe a fazer contas e divertia-se a resolver charadas e outras brincadeiras que obrigassem ao raciocínio e às contas. Brincalhão, sempre bem disposto, cresceu forte, saudável e independente.

Quando o castelo foi vendido, os Senhores ofereceram a cada empregado uma pequena verba como reconhecimento pelo trabalho prestado. Com a parte que lhe coube, Gilbert decidiu abrir uma tasca ou taberna, onde serviria bebidas e algumas refeições como sopas, guisados e pão. Marie Yvonne passou a ser responsável pela compra de mantimentos e pelas contas da taberna, a que chamaram “Chez Gilbert”.

Os primeiros tempos foram difícieis, como qualquer negócio, mas aos poucos, “Chez Gilbert” foi sendo conhecida e a clientela afluiu em quantidade suficiente para manter a ‘porta aberta’. Os rapazes cresceram e fizeram-se homens. Lucien procurou emprego numa livraria e não descansou enquanto não conseguiu integrar os quadros da Biblioteca Municipal, mas teve que sair do bairro e mudar-se para o centro da cidade. Passou a viver para os livros e levava uma vida calma e cheia de leituras.

Marc-Antoine optou por uma carreira dedicada às contas: tirou um curso de guarda-livros (commis aux écritures - comptable), e também se mudou para um bairro mais erudito em que os seus préstimos eram mais procurados e melhor remunerados. Era feliz, tinha muitas namoradas, tinha uma vida desafogada, enfim, era um “bom-vivant”.

Ambos visitavam os pais com frequência, tanto “Chez Gilbert” como em casa. Marie Yvonne sabia que Lucien era feliz com os seus livros e que Marc-Antoine, mais tarde ou mais cedo iria encontrar a sua alma-gémea e adoçaria a sua velhice com lindos netos.

Nas suas passagens por “Chez Gilbert”, tanto Lucien como Marc-Antoine divertiam-se a ensinar Jacques-Maniuel a ler e a contar. O garoto aprendia depressa e tinha muita vontade de saber mais, sempre mais, o que dava prazer aos dois rapazes que o ensinavam.

Com tudo isto, Jacques-Maniuel passava muito do seu tempo “Chez Gilbert” e quase passou a fazer parte da família.

Cerca de um ano mais tarde, M.Gilbert convidou Jacques-Maniuel a trabalhar na taberna, a troco de um salário.

Jacques-Maniuel ia tendo um ataque de felicidade! Agora sim, ia finalmente ficar rico!! Aprendeu novas tarefas e entregou-se de corpo e alma àquele emprego.

Quando recebeu o primeiro salário, as mãos tremiam de emoção ao segurar as moedas recebidas! O seu pensamento corria a mil, pensando na imensidão de coisas que poderia comprar com aquele dinheiro ‘todo’!

Decidiu que iria à pastelaria de M. Larousse e compraria o bolo mais bonito e melhor que encontrasse. Assim fez, contou a M. Larousse a boa nova do emprego e do salário, comprou um lindo bolinho com creme e chocolate e correu para casa para o oferecer à mãe. Pela primeira vez na vida ia comer um bolo fresco!

Jacqueline ficou muito feliz com a nova situação do filho. Embora não achasse muito bem o garoto estar a trabalhar, pelo menos estava entretido em algo de bom em vez de passar o dia nas ruas a vadiar. E feliz também por ver que ele o fazia com gosto e que começava a dar valor ao trabalho.

“Mãe, qualquer dia, quando eu crescer mais um bocadinho, vou trabalhar mais e ganhar mais e tu vais poder deixar de trabalhar naquela casa!”, dizia Jacques-Maniuel muito esperançoso. Tinha tantas ideias na cabeça!! Tantas!! Ia continuar a trabalhar com afinco para que M. Gilbert lhe desse mais dinheiro. Ia comprar uns sapatos novos… ia comprar um vestido novo para a mãe… e um chapéu, daqueles elegantes que havia na montra da loja de Mme. Antoinette, ia comprar um belo bife para partilhar com a mãe… ia comprar… acabou por adormecer com estes pensamentos cheios de optimismo.

Sempre atento e ‘magicando’ ideias, Jacques-Maniuel observava o movimento da cozinha, a confecção dos pratos, a apresentação, etc, quando pela primeira vez sentiu fervilhar nas suas veias o sangue português. Aproximou-se de M. Gilbert e pergunto: “M. Gilbert! Patron…” - “Oui?” - “M. Gilbert, quantas refeições o senhor consegue servir com duas batatas, dois ovos e um bocado de queijo?” – “Ora, rapaz, consigo servir uma refeição!” – “E se eu conseguir servir duas refeições com as mesmas coisas, o patron dá-me o dinheiro da 2ª refeição?” – “Estás maluco? Como é que podes fazer uma coisa dessas??” – “Patron, deixe-me tentar…” – Encolhendo os ombros, M. Gilbert disse: “Está bem! Faz lá isso, sempre quero ver! Ah! Ah! Ah!”

Jacques-Maniuel, lavou muito bem as duas batatas, descascou-as, cortou-as em rodelas muito finas e fritou-as. Resultou um belo ‘monte’ de batatas, que davam para dois pratos. Satisfeito, continuou: cortou as cascas das batatas em tirinhas muito finas, deu-lhes uma fervura e pôs de parte. Entretanto, cortou o queijo em pedacinhos muito pequenos (não havia raladores naquele tempo) e juntou-o às cascas de batata. A seguir adicionou um bocado de salsa picada, os dois ovos, um pouco de sal, duas ou três colheres de farinha e umas seis colheres de leite. Mexeu tudo muito bem e separou em duas partes, fazendo duas belas e cremosas omelettes. Colocou-as nos pratos, junto das batatas fritas e, com duas folhas de alface cortadas em tirinhas, compôs os pratos e foi apresentá-los ao patron.

M. Gilbert ficou um pouco admirado pois de facto, os dois pratos estavam cheios e serviam bem duas pessoas. Mas, na dúvida, foi servi-los a dois clientes e amigos de longa data, Pierre e Antoine, e ficou a olhar de lado, na expectativa de comentários. Decerto iam reclamar que era pouca comida!

Os dois homens olharam para o prato com curiosidade e começaram a comer. Aquilo era muito diferente do habitual ensopado com feijão, almôndegas ou puré de batata…

Quando os pratos ficaram ‘limpos’, Antoine exclamou: “Eih! Gilbert! Aprendeste agora a cozinhar, foi? Ah! Ah! Ah! Belo petisco nos serviste hoje!”.

Admirado e hesitante, M.Gilbert não sabia bem se estavam a falar a sério ou a brincar e resolveu ‘desculpar-se’ : “Ah-non! Foi o Jacquel-Maniuel que resolveu brincar aos cozinheiros!”
“Pois bem, podes pô-lo a cozinhar todos os dias! Se os petiscos dele forem todos como este, conta comigo!” exclamou Pierre.

Jacques-Maniuel vibrava de contentamento. M. Gilbert muito admirado mas satisfeito, chamou o rapaz e disse-lhe: “Bem, compliments! Conseguiste! E eu vou cumprir o combinado.” E deu-lhe metade do valor que tinha cobrado pelos dois pratos.

Se calhar os dois homens não ficariam saciados por tanto tempo como se tivessem comido o dobro, obviamente, mas o certo é que os pratos foram servidos e comidos sem protestos, antes pelo contrário!

E assim, Jacques-Maniuel foi inventando maneiras de fazer render a matéria prima e dar mais lucro às vendas. O patron reconhecendo o esforço do rapaz, compensava-o com pequenas gratificações e um aumento de salário. Jacques-Maniuel não acreditava em tamanha sorte! “Tenho que me esforçar ainda mais”. E assim fazia, todos os dias, afincadamente trabalhava e “Chez Gilbert” foi ganhando fama.


Capítulo 4

Os anos foram passando até que Jacques-Maniuel, já com 16 anos, era o braço direito de M. Gilbert que, cada vez mais, confiava a gestão da taberna ao seu jovem protegido.

Jacques-Maniuel conseguiu concretizar o seu primeiro grande sonho ao alugar um pequeno apartamento perto de “Chez Gilbert” onde ele e a mãe passaram a viver. Jacqueline pôde deixar de trabalhar como lavadeira e dedicou-se inteiramente ao seu filho. Cuidava-lhe da casa e da roupa e vivia feliz. Dizem as más línguas que até arranjou um namorado, mas como era extremamente discreta, se era verdade, nunca ninguém confirmou.

A vida decorria calma e tranquila, Lucien e Marc-Antoine continuavam a visitar os pais com regularidade; Marie Yvonne continuava à espera que Marc-Antoine assentasse de vez com uma das namoradas e lhe desse netos, mas Marc-Antoine tinha outras ideias e queria continuar a viver livre de responsabilidades.
Marie Yvonne ensinou Jacques-Maniuel a fazer as compras e as contas da taberna e ele foi-se tornando cada vez mais, o gerente do estabelecimento.

Certo dia, M. Gilbert chamou os filhos para lhes anunciar que estava a pensar na “retraite”, na reforma… e queria saber qual dos filhos queria suceder-lhe “Chez Gilbert”.

Lucien e Marc-Antoine encolheram-se e interrogaram-se mutuamente com o olhar… nenhum deles tinha vontade de deixar a vida que tinha para se dedicarem a uma taberna! “Porque não dás a gerência ao Jacques-Maniuel? Ele fica à frente do negócio a troco de uma mensalidade que seja suficiente para as vossas necessidades… e cada um de nós continua a sua vida”. “Ora essa” disse M.Gilbert “E quando eu e a vossa mãe morrermos?” “Nessa altura ele continua a pagar a mim e ao Lucien a mesma quantia…” disse Marc-Antoine “Ou então, nessa altura propomos-lhe que compre a taberna”.

E assim foi. Jacques-Maniuel, já com 20 anos, aceitou alegremente a proposta. A taberna passou a chamar-se “Chez Gilbert – de Jacques-Maniuel”. Mandou fazer uma tabuleta nova, com estes dizeres, pintada com alegres cores parisienses. Um sucesso! Além da boa comida, apetitosa ao palato e ao olhar, agora até o letreiro era chamativo! Vinha gente de outros bairros e até do centro da cidade para comer os petiscos de Jacques-Maniuel.

Jacquem Maniuel contratou um tocador de concertina que mais alegrava o ambiente, tornando-o cada dia mais apelativo. 





Capítulo 5

Jacques-Maniuel era agora um elegante homem de negócios. Sua “taberna” sempre cheia de boémios e de altas individualidades, começava a ser demasiado pequena para dar resposta a tantas solicitações.

Jacques-Maniuel resolveu então convencer o seu vizinho René, o Ferreiro, a vender-lhe o espaço que era anexo à taberna.

René ficou algo surpreendido. Para que queria o taberneiro o seu estabelecimento de Ferreiro??

Jacques-Maniuel fez-lhe ver que em breve o trabalho de ferreiro seria menos solicitado pois já circulavam rumores sobre a substituição dos cavalos por umas máquinas que funcionavam sem animais. Muito espantado, René deixou-se convencer, principalmente devido ao facto de não ter ninguém que herdasse a sua profissão e com o dinheiro que Jacques-Maniuel lhe daria, ele poderia viver confortavelmente a sua velhice.

E assim foi. Jacques-Maniuel ampliou o seu espaço de refeições, a que passou a chamar de Restaurant. A remodelação foi grande: Jacques-Maniuel manteve a zona da taberna, para servir refeições mais tradicionais aos “velhos” clientes que gostavam do ambiente, para os clientes com menos possibilidades de frequentar o luxuoso Restaurant, e para os cocheiros e/ou outros serviçais dos comensais de classe superior.

Com o aumento da clientela e principalmente o aumento da qualidade da clientela, Jacques-Maniuel contratou mais tarde uma pequena orquestra que tocava dentro do Restaurant, para que os clientes pudessem dançar enquanto esperavam pela refeição.


E criou um espaço numa parte do grande “armazém” que fora a loja do Ferreiro, para os clientes guardarem os cavalos e suas carroças durante as refeições. Mais tarde, muito mais tarde, aquela zona tornou-se numa garagem para os automóveis dos clientes.

E comprou também um bonito e soalheiro apartamento onde vivia com a mãe.

A vida continuava serena e tranquila para todos estes personagens. Marc-Antoine, o filho mais novo de M.Gilbert, acabou por encontrar uma namorada que soube convencê-lo que com ela é que ele estava bem… ficou grávida. Assim, casaram e tiveram mais dois filhos, que fizeram as delícias da vovó Marie-Yvonne e do vovô Gilbert. Lucien foi o padrinho dos três sobrinhos e vivia feliz satisfazendo muitos dos desejos das crianças.

Elegante, inteligente e trabalhador, Jacques-Maniuel fez-se um autêntico homem de negócios, tendo transformado a pequena taberna num elegantíssimo Restaurant frequentado pela fina flor de Paris.

Também acabou por conhecer uma donzela, Natalie, que o levou ao altar. Comprou um bonito apartamento perto do da mãe, divertiu-se muito a decorá-lo com a sua Natalie e para lá se mudaram após o casamento.

Tiveram dois filhos, uma menina, Simone, e um menino, Maurice e a avó Jacqueline era a pessoa mais feliz daquele bairro.

Pode-se dizer que todos tiveram uma vida feliz, recheada de alegrias embora com muito trabalho, sempre.


Fim


 (?)


Bom, uma história de sucesso, verdade? Pois isso aconteceu porque Jacques-Maniuel nasceu na hora certa no local certo. Se tivesse nascido um século mais tarde, a sua vida e de todos os outros personagens desta história, seria muito diferente.

Se tivesse nascido em finais do século XX, Jacques-Maniuel teria nascido numa casa onde a mãe trabalhava sim, provavelmente lavando escadas ou a dias, o pai seria um operário numa fábrica qualquer. Teriam uma vida modesta mas confortável.

Jacques-Maniuel teria frequentado a escola, normalmente. Nunca teria trabalhado, pois isso seria considerado exploração infantil. Teria tirado um curso superior e estaria hoje entre empregos precários que nada tinham a ver com o curso que tirara, e viveria de um modesto salário mínimo ou de um subsídio de desemprego que fosse conseguindo entre empregos… estaria a ponderar emigrar… talvez para Angola, talvez para a Noruega…

Se, por acaso, tivesse dado um pontapé numa pedra e encontrado 5 cêntimos, nem se teria baixado para os apanhar, pois 5 cêntimos não davam para nada… nem para comprar uma batata! E se lhe aparecesse uma batata ou cebola no chão, ter-lhe-ia dado um pontapé como se de uma pedra se tratasse pois uma batata ou uma cebola não tinham o menor valor…

M. Gilbert já teria fechado a taberna há muito, pois teria sido impossível dar satisfação às exigências da ASAE e não teria conseguido “dar a volta” ao negócio. Teria fechado e viveria de uma pensão miserável, da qual ainda teria que tirar algo para ajudar os filhos pois Lucien, no seu emprego na Biblioteca mal ganhava para o seu sustento e Marc-Antoine tinha que trabalhar mais de 12 horas por dia para conseguir ter clientes suficientes e ganhar um vencimento decente. Não teria tempo nem forças físicas para manter a vida de “bom vivant”. E muito menos teria encontrado uma mulher para casar e ter filhos, quanto mais sustentá-los!

Jacqueline continuaria a viver no primeiro andar daquela pequena casa alugada e não tinha pensão porque nunca tinha descontado para a Caixa pois naquele tempo “os patrões” não descontavam se não fossem obrigados. Viveria agora de um mísero subsídio de inserção social, sempre receosa que lho cortassem caso o filho arranjasse um emprego…

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