segunda-feira, 28 de abril de 2014

Pedacinhos de vidas passadas....

«Era uma vez ….…………….. FIM»

"Capítulo 2


Hoje só entro de serviço às 13h… que bom, posso dormir mais um pouquinho.

O turno da tarde é diferente do da manhã, as rotinas são outras.

Começo por me levantar, tomar um duche rápido e a seguir um pequeno almoço de verão: uma laranja fatiada, um café com leite frio, uma torrada com doce de qualquer coisa. Folheio umas revistas, escrevo uma carta aos pais (naquele tempo escreviam-se cartas) e preparo-me para o trabalho.

Vou a pé, são só uns 800m, mas debaixo do sol tórrido do meio dia, é tarefa difícil! Chego ao hotel onde trabalho, completamente exausta e transpirada. Sento-me na esplanada coberta, durante pelo menos 10 minutos para retomar o fôlego e normalizar a respiração. 

Depois vou almoçar no self-service. Tínhamos direito à refeição no horário em que estávamos a trabalhar.

Comia-se bastante bem, os funcionários eram simpáticos e havia sempre lugar para uns cumprimentos, umas larachas, e até anedotas.

E às 13 em ponto, lá estava eu a “pegar” ao serviço. Ia à Tesouraria levantar a Caixa, conferir o fundo de maneio e iniciar o trabalho: “Hello, good afternoon! Can I help you?” (smile, sempre!)

O Hotel era maioritariamente frequentado por turistas dos países vizinhos. Alguns vinham todos os anos e às vezes mais que uma vez por ano. Muitas vezes acabávamos por fazer verdadeiras amizades.

Alguns, muito simpáticos, traziam-nos chocolates: uma caixa para as duas que normalmente estavam de serviço. Agradecíamos, claro, distribuíamos pelos colegas e guardávamos o resto no cofre para os dias seguintes.

Só que, normalmente, no dia seguinte os chocolates desapareciam e só ficava a caixa… os meninos do turno da noite (rapazes novos, normalmente militares que faziam ali uma ‘perninha’ para ganhar mais ‘algum’), comiam os chocolates, todos! E nunca o admitiam! Sim, estavam no cofre, mas todos os funcionários da Recepção sabiam o segredo para o abrir porque era onde se guardavam as chaves de todo o empreendimento (à noite guardavam-se as chaves e logo de manhã eram novamente distribuídas pelos encarregados de cada secção).

A minha colega Isabel, naquele dia aborreceu-se mesmo porque estava desejosa de um chocolatinho e, mais uma vez, encontrou a caixa vazia! “Podiam ao menos deixar um ou dois!!! Malvados! Esperem aí que eu já vos faço a folha!!”

Um dia soubemos que tinha havido um grande “arraial” por ali durante a noite! Todos tinham tido uma grande diarreia: os rapazes do turno da noite, os porteiros, os telefonistas e até o patrão!!!

Com o ar mais ingénuo do mundo, fingindo grande consternação, alvitrámos que “se calhar” tinham comido uns chocolates que estavam no cofre… “se calhar” estavam estragados... “se calhar” eram laxantes…. “Nunca íamos imaginar que alguém os ia comer…” (ahahahaha gargalhadas sorrateiras! A Isabel tinha mesmo posto lá chocolates laxantes!)

O certo é que nunca mais desapareceram chocolates do cofre!

A hora do lanche era “sagrada”. Visita ao self-service para comer um scone maravilhoso, um chá ou uma torrada. No regresso passava pelo salão da cabeleireira que, não tendo clientes, me sentava na cadeira e me penteava, experimentando novos produtos. Eu tinha os cabelos compridos e aquele “tratamento” fazia com que andasse sempre muito “arranjadinha”, O patrão (aquele sacaninha de quem já tenho falado!), quando estava bem disposto, dizia que eu era a Marlene Dietrich….

Estas pausas eram sempre bem vindas e muito apreciadas. Já recomposta, voltava ao trabalho.

Nos dias de grande movimento – Natal, Páscoa, Férias Grandes ou qualquer outro feriado que facultasse 4 ou 5 dias de descanso – não se podia mesmo sair para lanchar. Os clientes chegavam aos “magotes”. Eram horas a fio, desde as 6 da manhã até depois da meia-noite, sempre a “dar entrada” de hóspedes para o Hotel e para o Acampamento. Cada pessoa tinha que preencher uma ficha para a Polícia, individual, mais a Ficha Geral de Hóspede do Hotel. Era nossa função ajudar ao preenchimento daquela imensidão de fichas, copiando os dados dos passaportes, tínhamos que registar a morada, dias de permanência, razão da visita (era sempre ‘turismo’ mas tinha que ficar escrito); depois havia que fazer as contas, receber o pagamento, normalmente em moeda estrangeira, fazer o câmbio e dar o troco… nem dava para respirar!

Encomendávamos então umas Bifanas ao bar do Pavilhão da Praia. As bifanas eram de-li-ci-o-sas!! Nunca mais na minha vida comi umas bifanas tão boas! Bem temperadas, tenras, suculentas, o pão levemente tostado e impregnado com os sucos da carne, hummmm!!!! Só de pensar nelas fico salivando!

Uma das coisas que NUNCA podíamos fazer, era alugar um quarto a um casal que não fosse casado. Crime! Drama! Escândalo! Proibidíssimo! Nós e o patrão podíamos ir parar à cadeia! (pelo menos assim diziam, eu cá não acreditava!). Isto era muito embaraçoso para o/a funcionário/a da Recepção.

Quantas e quantas vezes não alugávamos dois quartos para duas pessoas não casadas e elas, depois, obviamente, só ocupavam um. As Encarregadas dos quartos eram obrigadas a reportar quando houvesse um quarto marcado como “ocupado” mas que a cama não era utilizada! A regra dizia que tínhamos que chamar o hóspede e esclarecer o assunto, referindo sempre que, pela Lei do nosso País, era PROIBIDO dormirem juntos se não eram casados. Enfim, um desgaste psicológico para os funcionários que tinham que fazer estes ‘papéis’! Eu não tinha paciência para estas “cenas”. Quando uma destas situações me era reportada, eu chamava o cliente e pedia-lhe o favor de “pelo menos, escangalhar a cama” para não levantar questões com a gerência… Não imaginam a cara dos clientes confrontados com estas questões. Alguns ficavam encabulados, e prometiam que iam ocupar o outro quarto (se calhar dormiam uma noite num quarto e a outra noite no outro, eheheheh). Mas eram mesmo cenas “macacas”.

Numa destas situações, lá tive que dizer ao cliente “Peço desculpa mas a nossa Lei não permite que se alugue um quarto a um casal que não seja casado”. Ao que ele respondeu, muito naturalmente, com os olhos arregalados: “Ah! Mas nós dois somos casados!! Bem, não um com o outro, mas somos ambos casados!!”

Sinceramente! Encolhi os ombros e disse: “Então ponha aí o nome da Senhora no sítio onde diz ‘esposa’” - sacudi assim a água do meu capote e aluguei um só quarto!

Uma vez, após ter sido chamado à atenção, um cliente re-incidiu! Que horror!! Que atrevimento!!!! Foi apanhado por um vigilante a saltar o murete para entrar no quarto “proibido”!! Foi perseguido pelo vigilante que, não conseguindo apanhá-lo, apresentou queixa. Era mesmo assim, se não apresentasse queixa ficava sujeito a ser despedido. O patrão não perdoava! Assim, naquela noite, depois da queixa, veio a Polícia, veio o patrão, veio “meio mundo” para perseguir e apanhar o “faltoso”! Numa terra onde nunca acontecia nada, aquilo foi um festival! Foi feita uma autêntica rusga e o “delinquente” finalmente apanhado!

Esta foi a versão contada no hotel.

Uns dias mais tarde, apareceu um Guarda com o Auto para ser assinado pelo patrão. Por curiosidade, enquanto levava o documento, dei uma olhada, e dizia algo assim: «… tendo o Oficial pedido para entrar no quarto, foi facultada a entrada pela senhora “X” não tendo sido encontrado o Sujeito à vista. Insistindo para revistar a instalação, foi o Sujeito então encontrado debaixo da cama usando como única vestimenta um par de cuecas. O Sujeito foi detido e escoltado para prestar declarações. Foram testemunhas ‘blá, blá, blá’ »

E assim se vivia naquela época……..



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